Padrões e Vibrações

O atelier de Pedro Casqueiro é uma sala de um prédio pombalino restaurado há três anos, onde os CD rivalizam com as bisnagas de tinta. A música é a sua obsessão e a sua cultura visual.

Fica na Praça de São Paulo, a pouca distancia do Chiado, por detrás do Cais do Sodré. A sala é um pouco mais comprida do que larga, um rectângulo de boas proporções, com a forma de uma fotografia, talvez de uma tela. Três janelas enormes, também bons rectângulos dão para a Praça, decorada com pombos que cobrem os raios monocromáticos da calçada, iluminada pela luz amarelenta das cinco da tarde. Em frente fica uma pequena igreja.
Cá dentro, um ambiente acolhedor: a vibração infiltra-se disfarçadamente nos vários sentidos, provocando, logo à entrada, uma sensação de conforto familiar. A luz é suave, o ar cheira a incenso indiano nag champa. Baixinho, ouve-se música minimal de tons curiosos. À volta, vêm-se formas geométricas, por vezes legíveis, por vezes não, que, sem querer, carregam em botões e devolvem-nos a situações e pensamentos remotos através de símbolos diversos, amplamente reconhecíveis na nossa memoria visual.

Música e tinta
À esquerda, um estirador coberto com bisnagas meio espremidas e potes de tinta com tampas amarelas, todos por ordem, em filas de cores e de tons. Em frente outro estirador, cheio de livros e papeis, que dão pistas sobre as investigações estéticas do artista. Ao fundo, uma sala de estar. Um sofá coberto com uma manta de xadrez verde e azul escuro e outro às riscas, lembram o quarto de um rapaz, cuja imaginação espalhou pela parede, na forma de objectos estranhos pendurados em grupos inesperados, bocados de tempos bem vividos. A quantidade de CD que enche estantes de prateleiras – cujo guardião é um duende barbudo de olhar filosófico a fumar pacífica e eternamente o seu cachimbo – só é rivalizada pelo número de bisnagas no lado diagonal oposto. As duas forças criam uma linha invisível entre dois potenciadores complementares da pintura de Pedro Casqueiro, que as junta nas telas encostadas no resto das paredes. A música é a sua obsessão e a sua cultura visual.
As capas dos discos – que habitualmente transmitem, ou traduzem, em valores visuais o que compõe em sons o seu interior – são uma parte importantíssima da biblioteca subconsciente de onde saem, após a devida digestão, e provavelmente inconscientemente guiados e provocados por sons, os seus quadros. A música ambiente, que parece quase esconder-se no espaço, impregna-se nele, como através dele as tintas nas telas. Descrito como fundos sonoros, é um estilo musical que pretende criar um ambiente, que ocupa e simultaneamente descreve espaços, tanto de filmes como de lugares físicos. E neste caso, telas.

Ritmos e palavras
Pedro Casqueiro pinta impressões. Vibrações. A serigrafia, técnica ainda usada em algumas obras, remete-nos para o ritmo dos padrões geométricos. Como as notas numa pauta e os sons dançando pelo ar, as suas telas são rítmicas. Padrões repetem-se, linguagens misturam-se como os instrumentos de uma orquestra ao fundirem-se no corpo de uma peça de música. Com elementos encontrados aqui e ali, compõe-se novos todos. Colagens de rasgos de memória pintados, de sons interpretados.
A sua obra é um reflexo da sua realidade mas não a engloba toda. Nasce de uma necessidade interior de expressão e de usar as mãos. As suas pinturas apropriam-se da linguagem comercial, das artes gráficas, de desenhos técnicos, trazendo-os para a tela como elementos de valor estético individual; ao contrário do que, acontecia no seu habitat natural, onde, pela sua quantidade, eram quase invisíveis, banais, como a música de fundo, que a pouco e pouco deixa de ouvir-se.
As palavras são escritas pela sua forma, como notas escolhidas pelo seu som. Através das mãos e da atenção que lhes dá, Pedro Casqueiro redescobre-as, reinventa-as e dá-lhes um novo suporte, uma nova importância, um novo valor. Constrói um discurso que faz sentido ao pintor mas que não é exteriormente  esclarecedor desse sentido, provocando no observador, certamente, interpretações diferentes.
A sua pintura não é de natureza politica, não é uma forma de transmitir valores e opiniões. Como o atelier onde é criada, a pintura de Pedro Casqueiro é intimista, fala-nos dele e de nós próprios, através de um processo de interpretação subconsciente e, desta forma, pessoal e intransmissível.
Maria Calém Louro, Atelier, L+Arte #34, Março de 2007